terça-feira, 6 de novembro de 2007

Ainda transporto alguma fragilidade nas minhas emoções...


(...) Todos nós, os que tivemos a sorte de regressar das zonas de conflito, ainda hoje sentimos (uns menos outros mais) algumas fragilidades que tentam desmoronar as nossas emoções. No meu caso, e sentindo-me um privilegiado se comparado com outras situações bem mais dramáticas, ainda hoje, sinto alguma fragilidade emocional quando confrontado com situações que me levam a recordar alguns factos vividos no teatro de operações. Após ter regressado de Moçambique, eram os foguetes das festas das aldeias que me transtornavam, pois recordavam-me o rebentamento das granadas de morteiro quando a FRELIMO atacava os nossos aquartelamentos e as colunas de reabastecimento. Felizmente, e com o passar dos tempos, esse tormento desvaneceu-se, e é com alguma naturalidade que assisto aos fogos de artifício. Embora já liberto daquele tormento, actualmente, ainda sinto uma pequena preocupação do foro emocional e que está relacionado com o som característico dos helicópteros Alouette III. Diáriamente, quando me desloco ao Parque José Afonso na Baixa da Banheira para aí fazer o meu circuito de manutenção, já por várias vezes me confronto com aquele barulho vindo daquelas aéronaves que ocasionalmente sobrevoam o parque vindas da Base Aérea do Montijo, e, acto instantâneo, as lágrimas correm-me pela minha face quase que em cascata como se quisessem inundar as minhas emoções.

Durante a minha permanência na guerra colonial (1971-1973), sempre tive uma relação de proximidade com os Alouette III, devido às colunas militares de reabastecimento em que participei, operações militares essas em que na generalidade ocorriam confrontos com a FRELIMO, resultando daí situações bem dramáticas para quem nelas participava.

Eram os Alouette III que se deslocavam com bastante frequência às picadas ou aos aquartelamentos, para evacuar os mortos e feridos resultantes dos ataques e das emboscadas de que eramos alvo, e aquele som muito característico mas tremendamente ensurdecedor a que fomos sujeitos e que estava sempre associado a momentos de tragédia, ficou gravado em muitos de nós, ao ponto de, passados que são 34 anos do meu regresso, ainda hoje me tolda a resistência e me fragiliza emocionalmente, fazendo com que as lágrimas se soltem à sua passagem, como se fosse uma criança (...)

Carlos Vardasca
06 de Novembro de 2007
Na foto: Evacuação de um soldado morto numa emboscada da FRELIMO, efectuada na picada entre Pundanhar e Palma, em 10 de Maio de 1971.

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