quinta-feira, 17 de julho de 2008

"Nangade, meu amor"



(...) A guerra também tinha os seu intervalos, embora "o cenário se mantivesse estático, lá no fundo do palco" tal como nos teatros, sempre pronto a levar à cena os horrores da guerra. Nangade (ao contrário dos minúsculos Aquartelamentos como Nova Torres, Tartibo e Muidine por onde deambulou a Companhia de Caçadores 3309, mais parecendo ter sido ali colocada por mero abandono) era um Aquartelamento que oferecia maior segurança. Protegido em todo o seu redor por duas fiadas de arame farpado, com postos de iluminação cuja luz (que era produzida por velhos geradores que pareciam roncar pela noite fora) incidia sobre aquela linha de defesa, Nangade era um Aquartelamento ladeado por dois aldeamentos das etnias Maconde (a norte) e Macua (a sul) que nos ofereciam em dias festivos batuques nocturnos até que pela manhã o cacimbo inundasse os telhados de colmo das palhotas, enquanto alguns soldados adormeciam nos seus alpendres encharcados de "Laurentinas".
De regresso das operações de combate, os soldados tinham à sua disposição chuveiros para desencardir as angústias e sacudirem o pó negro das matas que se entranhara no camuflado e inundara as entranhas, para depois, durante a noite, enquanto uns pareciam dormir um sono eterno, outros, de visita aos aldeamentos, enfiavam-se nas tabancas e aí se saciavam até à exaustão numa orgia prenhe de infidelidades, entrelaçados como as lianas até que o "orgasmo explodisse como uma bola de fogo".
À sua pista de terra batida chegavam com alguma regularidade Táxis Aéreos, DOs, Nord Atlas transportando abastecimentos vários ou tropas para ali enviadas para acções de combate à guerrilha, e outros meios aéreos como os T6 vindos das acções de bombardeamento de zonas controladas pela FRELIMO, assim como formações de helicópteros de transporte de grupos de combate para ataque às suas bases ou de passagem para Mueda transportando feridos ou mortos nessas mesmas acções.
Nangade estava bem defendida em termos de armamento pesado e ligeiro, dispondo de duas anti-aéreas que crivavam o planalto em frente quando a FRELIMO dali atacava com morteiros de 82mm, e vários Obuses 14, que batiam a zona como forma de prevenção ou respondendo a ataques da guerrilha que o fazia com alguma regularidade.
Na loja do Monhé, repleta de "bujigangas" que na falta de melhor nos faziam bastante jeito, amontoavam-se, por entre várias mercadorias, sabonetes Life Boy e frascos de Pó de Talco de má qualidade e do mais rasca do mercado, mas que nos aliviava das assaduras provocadas pelo calor e pelas longas caminhadas no interior da mata, das angustiantes acções de picagem na detecção de minas nas picadas ou dos patrulhamentos ao longo dos itinerários das várias picadas que ligavam os vários Aquartelamentos daquela zona do Planalto dos Macondes.
Foi aqui a Nangade que a C.CAÇ. 3309 chegou em 25 de Fevereiro de 1971 para depois ser tranferida para Nova Torres e mais tarde para Tartibo, voltando àquele Aquartelamento para dele sair em 13 de Novembro de 1972 com histórias bastante dramáticas para contar, depois de ter sido rendida pela Companhia de Artilharia 3506 e rodar para Balama (...)
Carlos Vardasca
17 de Julho de 2008
Foto 1: Os Furriéis Sobral, Neves e Arlindo da Companhia de Caçadores 3309 numa de "acção psicológica" no aldeamento Macua.
Foto 2: Aquartelamento de Nangade
Foto 3: Uma das anti-aéreas que faziam parte das defesas de Nangade.

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