sábado, 11 de setembro de 2010

"Cada vez mais próximos de Kytaia"

O caso do Furriel Castro Guimarães, abatido numa operação em 15 de Novembro de 1972 nas margens do rio Rovuma, levado por oficiais tanzanianos para a Tanzânia e sepultado em lugar incerto (possivelmente na aldeia de Kytaia) é sobejamente conhecido de todos que se interessam por questões relacionadas com a Guerra Colonial, dos dramas vividos e dos comportamentos de quem nela interveio (e onde também se provou que nem todos nós “fomos bons rapazes”, contrariando o fervor patrioteiro de alguns ex-combatentes e da forma como se insurgiram contra as infelizes declarações do escritor António Lobo Antunes) tema aliás bastante divulgado no blogue http://dotejoaorovuma-cabel.blogspot.com, onde se procura encontrar pontos de contacto que nos levem cada vez mais próximo daquela aldeia tanzaniana e saber ao certo o local possível da sepultura daquele militar.
Dos vários contactos efectuados e conforme informação prestada anteriormente, cheguei ao contacto com os Missionários da Boa Nova, missão católica radicada em Malema, vila moçambicana relativamente próximo da cidade de Nampula, mais concretamente com o Padre José Alexandre, neste momento de férias em Portugal e com o qual me encontrei no dia 10 de Setembro de 2010 (no Bairro Gouveia, em Alhos Vedros onde tem familiares) dado que ele parte de novo para Moçambique já na próxima Segunda-feira, dia 13, e era urgente colocá-lo ao corrente deste caso e pedir-lhe a colaboração que lhe fosse possível.
Colocado ao corrente de todos os contactos e diligências por mim efectuados e de todos os documentos que escrevi e relacionados com o caso “Furriel Castro Guimarães, desaparecido em combate” que relatam o ocorrido nas margens do rio Rovuma em 15 de Novembro de 1972, o Padre José Alexandre ficou bastante sensibilizado com os factos de que passou a ter conhecimento, prontificando-se de imediato a colaborar neste caso, manifestando o interesse em utilizar os contactos privilegiados e a influência que tem junto das populações devido à sua actividade de Missionário que exerce em Moçambique desde 1968.
Na conversa que mantive com o Padre José Alexandre ao longo de cerca de duas horas, ele adiantou alguns pormenores das diligências que iria efectuar, nomeadamente junto da população da etnia Maconde que habita próximo da Malema mas que com alguma frequência se desloca à Tanzânia para visitar os seus familiares do outro lado da fronteira, ou para tratar de negócios, tentando junto deles recolher informações (alguns deles ex-guerrilheiros com altos cargos na hierarquia local da FRELIMO e bastante prestigiados junto das populações) no sentido de que se possam recordar do ocorrido naquela data ou que, uma vez de visita à Tanzânia, recolham informações junto de responsáveis daquela aldeia (autoridades locais, ex-guardas fronteiriços, ex-combatentes da FRELIMO ou até mesmo junto das populações) e saber se alguém viveu ou se recorda daquele acontecimento e saiba informar onde as autoridades tanzanianas sepultaram aquele militar português.
Aquele Padre, que demonstrou ser muito culto e conhecedor da história de Moçambique, fazendo uma breve análise da distribuição das várias etnias pelo seu território (revelando-se conhecedor da obra “Os Macondes de Moçambique” da autoria de Jorge Dias e Margot Dias
[1]) e uma retrospectiva histórica do período antes e do início do colonialismo, do conflito da guerra colonial (mostrando-se bastante conhecedor das dificuldades por que passavam os nossos soldados durante aquele período e da localização dos vários aquartelamentos isolados nas matas de Cabo Delgado e do Niassa, dos ataques que a FRELIMO lhes infligia com alguma agressividade e frequência) assim como dos conflitos que se geraram após a independência daquela ex-colónia, como a guerra civil que opôs a FRELIMO e a RENAMO e das dificuldades a nível social bem recentes com que se depara a população moçambicana.
Na conversa que mantive com ele durante cerca de duas horas, deu-se ao pormenor de me confidenciar que há alguns anos, no âmbito da sua actividade missionária, baptizou e casou um casal da etnia Maconde que habita agora em Malema e que se reconverteram ao cristianismo, dizendo ele que esta família (que se desloca também com alguma regularidade à Tanzânia) será uma das que com quem também irá contar para colaborar na procura do local onde possivelmente se encontram os restos mortais do Furriel Castro Guimarães.
Foi de facto uma conversa bastante animadora (ficando cada um de nós com os contactos pessoais) a avaliar pela prontidão com que aquele missionário se predispôs a colaborar nesta causa que considerou nobre, mas também muito promissora tendo em conta as várias possibilidades de contactos que foi adiantando, manifestando alguma convicção e expectativa de que os seus resultados (embora nada imediatos) possam vir a ser animadores.
Reconheço, desde que me envolvi neste caso por via do meu amigo ex-Furriel Pinto da Companhia de Caçadores 3309 (naquele tempo destacado para comandante dos GEs 212 estacionados no Aquartelamento do Nhica do Rovuma e companheiro do malogrado Furriel Castro Guimarães) que me vejo envolvido numa espécie de “odisseia ainda sem fim à vista”, mas que a abracei com a convicção de que “nada é impossível” e que “nenhum combatente deve ser deixado para traz” apesar das dificuldades que o caso encerra, tendo em conta os anos volvidos e a dificuldade de se encontrar o local exacto onde possivelmente poderá estar sepultado aquele militar e, na eventualidade de o mesmo ser localizado, transmitir a sua localização à Liga dos Combatentes e esta prosseguir as diligências (contactando os seus familiares, como é óbvio) para a transladação dos seus restos mortais.
Para além de considerar este gesto com alguma carga humanitária de que me orgulho de nele me ter envolvido, considero também que tem como uma das finalidades e objectivos devolver a dignidade àquele militar, contando e dando a conhecer a sua verdadeira história (contrariando a versão oficial do exército) de que o Furriel Castro Guimarães não é nenhum desertor (como erradamente se fez constar oficialmente) mas mais um combatente tombado em combate e, por esse facto, que os seus restos mortais sejam devolvidos à pátria e para junto dos seus familiares, e que o seu nome seja dignamente inscrito no Mausoléu dos ex-combatentes falecidos em combate na Guerra Colonial erigido em Belém, de onde foi e continua injustamente e incompreensivelmente arredado.

Carlos Vardasca
10 de Setembro de 2010

1] Obra editada pela Junta de Investigações do Ultramar. Centro de Estudos de Antropologia Cultural. Lisboa 1970.

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