(...) Enquanto a Gracinda continuava a dar forma e expressão aos seus lamentos, a amiga não teve dificuldade em abrir a carta que parecia vir mal colada, o que motivou a desconfiança de ambas sobre se a mesma já tivesse sido aberta antes.
- Como vê Gracinda; - quase que não fiz nenhum esforço para abrir a carta - até dá a impressão que alguém já a abriu e muito desajeitadamente tornou a colá-la - continuando:
- Cada vez dou mais razão ao meu marido, quando ele diz que a PIDE de quando em vez abre as cartas dos soldados para ver se encontra nelas alguns desabafos a desancar no regime, ou contra a Guerra Colonial:
- Já têm apreendido muita correspondência de soldados e alguns têm sido presos ou enviados para zonas de combate mais arriscadas, e muitos dos seus familiares têm sido incomodados; são uns sabujos - desabafou a D. Maria enquanto abria a carta do filho da Gracinda (...)
in "Fardados de Lama" página 243. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 2008
(...) Depois de regressar ao Aquartelamento de Nangade, vindo do Hospital de Mueda onde esteve hospitalizado durante um mês por ter sido ferido numa emboscada, é que Braz tentou colocar a escrita em dia, sem nunca mencionar o ocorrido aos seus familiares; momentos dramáticos que há muito não via tão próximos desde o incêndio da Fragata D. Fernando II e Glória e das outras várias emboscadas que sofrera na mata, e onde igualmente viu, assim como todos os seus camaradas de armas, posta em risco a sua própria sobrevivência.
A carta era extensa e, ao contrário das anteriores e dos aerogramas que Braz escrevia e que se limitavam a exprimir considerações de ordem familiar, desta vez, ultrapassando aquilo que sabia ser um desafio aos sensores do regime que exerciam um controlo apertado à correspondência vinda das colónias; especialmente dos militares que se encontravam em zonas de combate, ela fazia uma breve incursão pelos limites da frágil fronteira entre aquilo que sabia ser a verdade que tinha que ser contada e a que o regime permitia que se contasse, fazendo referência à sua opinião sobre o conflito colonial e às condições militares em que o exército se defrontava no terreno (...)
in "Fardados de Lama", página 245. Carlos Vardasca. Alhos Vedros 2008.
(...) Tremendamente ruidosa, a manifestação descera até à baixa de Lisboa inundando o Largo do Rossio, com uma expressiva indignação contra a Guerra Colonial.
Tinham passado quatorze dias do mês de Agosto de 1974, e aquela manifestação tinha um claro objectivo de, no seguimento da manifestação então ocorrida no início de Maio e de boicote ao embarque de tropas para as colónias, dar mais expressividade ao descontentamento popular e desencadear um violento protesto anti-colonial, pressionando as autoridades saídas do golpe de 25 de Abril de 1974 que pareciam ainda um pouco hesitantes e pouco interessadas em se desfazerem daquele conflito, parecendo querer ainda retirar dividendos políticos e económicos, aproveitando-se da instabilidade que crescia naqueles territórios africanos (especialmente em Angola) entre os diversos movimentos de libertação (...)
in "Fardados de Lama", página 299. Carlos Vardasca. Alhos Vedros 2008.
Foto 1: Carlos Vardasca (Braz) escreve à família junto a um dos vários abrigos existentes no Aquartelamento de Nangade. Norte de Moçambique, 1971.
Foto 2: Elementos da Companhia de Caçadores 3309 numa patrulha na picada entre Muidine e Pundanhar. Norte de Moçambique, 1972.
Foto 3: Quando em 25 de Abril de 1974 as Forças Armadas entraram na sede da PIDE/DGS na Rua António Maria Cardoso, e as fotos dos algozes do regime foram retiradas das paredes. Foto de Alfredo Cunha.
2 comentários:
Muy interesante su Blog, lo estudiaré con más detenimiento en breve.
Soy un estudioso de las guerras y esta se me escapaba de la lectura.
Agradeço o seu interesse por este blog, ficando ao seu dispôr para lhe facultar informações sobre o conflito colonial em que Portugal esteve envolvido.
Escreva sempre
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