sábado, 26 de julho de 2008

Nas Mercedes Benz? nem pó! Com elas não saímos para o mato.



(...) A actividade da FRELIMO naquela zona do Planalto dos Macondes eram bastante intensa, ora recorrendo a emboscadas ou à colocação de minas anti-carro nas picadas, sendo rara a coluna de reabastecimento em que uma ou duas Berliet não ficassem destruídas devido às fortes explosões produzidas por aqueles engenhos, com consequências muitas vezes dramáticas para muitos militares que nelas se faziam transportar, principalmente para quem as conduzia que foram as maiores vítimas daquelas armadilhas.
Em Nangade a escassez de viaturas Berliet já se fazia sentir, havendo a necessidade de colmatar aquela situação com a reposição do parque auto com a aquisição de novas viaturas para que as colunas de reabastecimento voltassem à sua normalidade.
Os rumores que já se ouviam nas casernas era que as novas viaturas já não eram Berliet mas Mercedes Benz, o que criou um descontentamento nos Condutores da Companhia de Caçadores 3309 que tinham ficado adidos à CCS de Batalhão de Artilharia 2918, pois eram eles que garantiam a realização das colunas de reabastecimento e participavam na sua condução.
Não era uma questão de marcas que os preocupava, mas tão só as diferenças que tinham um grande significado para quem as conduzia, pois viam a sua tarefa dificultada e a sua vida cada vez mais posta em perigo. Enquanto que às Berliet era possível desmontar as suas capotas (evitando que num rebentamento os condutores batessem com a cabeça na mesma), pára-brisas, portas e assentos, ocupando alguns daqueles espaços com sacos de areia para reduzir o impacto do rebentamento das minas, nas Mercedes Benz não era possível efectuar aquelas alterações nem inicialmente o Tenente Coronel Vasconcelos Porto estava lá muito receptivo a permitir tais modificações.
Quando o Capitão Hélio Moreira da C.CAÇ. 3309 lhe foi transmitir o descontentamento e o desagrado dos seus homens perante tal situação, propondo até uma alternativa (adiantada por eles) que seria serrar os tejadilhos das Mercedes Benz, logo aquele oficial da CCS respondeu bem ao jeito de um oficial do quadro:
- Nem pensar! As viaturas acabaram de chegar e já as vamos destruir arrancando-lhes o tejadilho? - Se tiverem que ser destruídas os Turras que as destruam, mas nós nunca!
- Oh meu capitão - disse o mesmo oficial insistindo:
- Diga lá aos seus soldados que as ordens são para se cumprir e quero-os prontos para quando se realizar a coluna de reabastecimento na próxima semana, pois já quase que não temos abastecimentos em Nangade.
Como o descontentamento se começou a generalizar também aos condutores da CCS, pois temiam também eles ter que conduzir tais viaturas perante a recusa dos condutores da C.CAÇ. 3309, a muito custo e após algumas conversações para desbloquear a situação lá foram as Mercedes Benz para a oficina para lhes ser retirado o tejadilho.
Parece que ainda estou a ouvir o "Tremoço" (1) numa das suas raras manifestações de contentamento quando as viu chegar da oficina:
- "Olha as meninas Mercedes foram ao cabeleireiro e arrancaram-lhes a peruca"!
Dotadas de melhor segurança para quem as conduzia, as Mercedes Benz lá foram para o mato desprovidas do seu tejadilho, sem portas, sendo colocado no seu lugar sacos de areia, tendo sido vencida mais uma batalha (embora quase silenciosa mas eficaz) contra o rigor, a prepotência e a insensibilidade militar de quem estava ali apenas para cumprir mais uma missão ao serviço do regime e "arrecadar mais uns trocos", em oposição aos que para ali foram empurrados sem que daquele pedaço térreo alguma vez tivessem reivindicado algo, embora fossem os guardiões de vastas plantações de algodão, propriedade de quem em Lisboa se "entretinha a abençoar os fiéis e a colaborar com a PIDE para silenciar os protestos" (...)

Carlos Vardasca
26 de Julho de 2008

Foto 1: O Soldado Condutor Gonçalves (Lixa) que incorporou mais tarde a C.CAÇ. 3309 em rendição individual, ao volante de uma Mercedes Benz já com o tejadilho serrado.
Foto 2: Primeira Berliet minada numa das primeiras colunas de reabastecimento sob protecção da Companhia de Caçadores 3309 no itinerário Nangade-Pundanhar (22 de Março de 1971).
(1) Alcunha de Licínio José de Jesus Lopes, Soldado Condutor NM 16985870 da Companhia de Caçadores 3309, natural da aldeia da Rasca (Setúbal) falecido em Agosto de 1999.




2 comentários:

O Caçador disse...

A mesma reacção teve a minha Cª 3554-B.Caç 3886 em Setembro de 1972 (2 meses após chegarmos à Provincia).

Uma Mercedes auto/tanque de água, accionou uma mina e o condutos (Tereso) faleceu porque a cabeça bateu violentamente no tecto da viatura.

A partir desse dia, negámo-nos a andar em Toyotas, Bedfords ou Mercedes com tecto em chapa.

Carlos Vardasca disse...

Viva amigo

A nossa teimosia surtiu efeito.
O tejadilho das Mercêdes foram todos serrados, e só assim é que nos disposemos a ir para as picads.
Embora fosse naquele tempo, foi um exemplo de que se deve sempre lutar.
Um abraço
Carlos Vardasca
ex-combatente da C.CAÇ. 3309